Antero de Quental

As Fadas

“As fadas…eu creio nelas!

Umas são moças e belas,

Outras, velhas de pasmar…

Umas vivem nos rochedos,

Outras, à beira do mar…

Algumas em fonte fria

Escondem-se, enquanto é dia,

Saem só ao escurecer…

Outras, debaixo da terra,

Nas grutas verdes da serra,

É que se vão esconder…

O luar é os seus amores!

Sentadinhas entre as flores,

Ficam horas sem fim,

Cantando suas cantigas,

Fiando suas estrigas,

Em roca de ouro e marfim.

Umas têm mando nos ares;

Outras, na terra, nos mares;

E todas trazem na mão

Aquela vara famosa,

A varinha de condão!

Mas com tudo isto, as fadas

São muito desconfiadas:

Quem as vê não há-de rir,

Querem elas que as respeitem,

E não gostam que as espreitem,

Nem se lhes há-de mentir.

E têm vinganças terríveis!

Semeiam coisas horríveis,

Que nascem logo do chão…

Línguas de fogo,que estalam!

Sapos com asas, que falam!

Um anão preto! Um dragão!

Quantas vezes, já deitado,

Mas sem sono, inda acordado,

Me ponho a considerar,

Que condão eu pediria,

Se uma fada, um belo dia,

Me quisesse a mim fadar…

Oh, se esta noite, sonhando,

Alguma fada, engraçando

Comigo (podia ser)

Me tocasse coa varinha

E fosse minha madrinha,

Mesmo a dormir, sem a ver…

E que amanhã acordasse

E me achasse… eu sei! me achasse

Feito um príncipe, um emir!…

Até já, imaginando,

Meus olhos se estão fechando…

Deixa-me já já dormir!”

Álvaro de Campos

Mas Eu

“Mas eu, em cuja alma se reflectem
As forças todas do universo,
Em cuja reflexão emotiva e sacudida
Minuto a minuto, emoção a emoção,
Coisas antagónicas e absurdas se sucedem —
Eu o foco inútil de todas as realidades,
Eu o fantasma nascido de todas as sensações,
Eu o abstracto, eu o projectado no écran,
Eu a mulher legítima e triste do Conjunto
Eu sofro ser eu através disto tudo como ter sede sem ser de água.”

Ricardo Reis

Segue o teu destino

"Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam."

Alberto Caeiro

Hoje de manhã saí muito cedo

"Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...

Não sabia que caminho tomar
Mas o vento soprava forte, varria para um lado,
E segui o caminho para onde o vento me soprava nas costas.

Assim tem sido sempre a minha vida, e
Assim quero que possa ser sempre 
Vou onde o vento me leva e não me
Sinto pensar."

                   

Florbela Espanca

Se tu viesses ver-me

"Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti..."

Pablo Neruda

Tonight i can write the saddest lines

“Tonight I can write the saddest lines.

Write, for example,’The night is shattered
and the blue stars shiver in the distance.’

The night wind revolves in the sky and sings.

Tonight I can write the saddest lines.
I loved her, and sometimes she loved me too.

Through nights like this one I held her in my arms
I kissed her again and again under the endless sky.

She loved me sometimes, and I loved her too.
How could one not have loved her great still eyes.

Tonight I can write the saddest lines.
To think that I do not have her. To feel that I have lost her.

To hear the immense night, still more immense without her.
And the verse falls to the soul like dew to the pasture.

What does it matter that my love could not keep her.
The night is shattered and she is not with me.


This is all. In the distance someone is singing. In the distance.
My soul is not satisfied that it has lost her.

My sight searches for her as though to go to her.
My heart looks for her, and she is not with me.


The same night whitening the same trees.
We, of that time, are no longer the same.

I no longer love her, that’s certain, but how I loved her.
My voice tried to find the wind to touch her hearing.

Another’s. She will be another’s. Like my kisses before.
Her voide. Her bright body. Her inifinite eyes.

I no longer love her, that’s certain, but maybe I love her.
Love is so short, forgetting is so long.

Because through nights like this one I held her in my arms
my sould is not satisfied that it has lost her.

Though this be the last pain that she makes me suffer
and these the last verses that I write for her.”

Oscar Wilde

Loucos e Santos

“Escolho meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila.

Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos.

Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.

Deles não quero resposta, quero meu avesso.

Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco.

Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.

Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria.

Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto.

Meus amigos são todos assim: metade bobeira, metade seriedade.

Não quero risos previsíveis nem choros piedosos.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos nem chatos.

Quero-os metade infância e outra metade velhice.

Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto e velhos, para que nunca tenham pressa.

Quero amigos para saber quem eu sou…

Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que “normalidade” é uma ilusão imbecil e estéril…”